sexta-feira, 20 de abril de 2012

Correção de mielomeningocele a céu aberto já é realidade no Brasil

Segundo país no mundo a realizar a cirurgia fetal a céu aberto, o Brasil, além dos Estados Unidos, já realiza com sucesso, a correção da mielomeningocele. Os resultados por aqui são promissores, mas por enquanto se restringem a pouquíssimos centros de excelência, como é o caso do Hospital e Maternidade Santa Joana e da Escola Paulista de Medicina/Unifesp, lideradas por Antonio Moron, titular do Departamento de Obstetrícia. Somente em 2003, foram seis casos operados, com idade gestacional no parto média de 35 semanas e 4 dias. O intervalo entre cirurgia e parto foi de cerca de 45 dias.
De lá para cá a equipe já soma 14 cirurgias. Oito delas foram submetidas à uma variação desta técnica, desenvolvida por esta mesma equipe, que independe de equipamentos importados. Com o sucesso desta variação, a tendência é que este número aumente cada vez mais, ampliando o acesso à população.
Somente no Brasil, estima-se que haja cerca de 3 mil casos de mielomeningocele ao ano.
Confira na entrevista exclusiva todos os detalhes de mais esse grande avanço na obstetrícia mundial.
Quando começou o tratamento cirúrgico fetal?
Antonio Moron – O tratamento cirúrgico pré-natal começou em Denver, nos Estados Unidos, em 1982, por meio da derivação ventrículo-amniótica. Nesta ocasião, foi inserido o shunt derivando o ventrículo cerebral para o líquido amniótico. Mais tarde, em 1997, os professores Joseph Brunner e Noel Tulipan padronizaram a cirurgia a céu aberto da mielomeningocele.
Mesmo depois disso, a cirurgia pós-parto continuava sendo feita. Por quê?
Somente em 2002 foi iniciado um estudo nos Estados Unidos, denominado MOMS, comparando o tratamento intra-útero com o tratamento convencional pós-natal para ver se haveriam benefícios na abordagem fetal. Os resultados foram publicados este ano, após a interrupção do estudo, em dezembro de 2010 (veja quadro)
Por que o estudo foi interrompido?
Isso aconteceu porque os benefícios da cirurgia fetal ficaram muito evidentes. Dos 200 casos programados para cirurgia, após 183 casos operados decidiram que já havia evidências suficientes de que a abordagem pré-natal oferecia melhor prognóstico. A conclusão do estudo foi publicada na New England Medical Journal, em março 2011.
Em geral, a cirurgia fetal é indicada para situações que colocam a vida do feto ou algum órgão importante em risco. No caso da correção da mielomeningocele, qual a explicação?
A cirurgia da mielomeningocele realmente é uma exceção a essa regra. Embora não coloque em risco a vida do feto nem cause lesão grave aparente do sistema nervoso, a presença da mielomeningocele dentro do liquido amniótico, pelo constante movimento do feto, provoca traumatismo das raízes nervosas. A presença do líquido amniótico é também agressora, promovendo um processo inflamatório da meninge e das raízes nervosas, podendo levar a uma piora da porção motora e, eventualmente, a alterações das funções urinária e intestinal. Outro fator importante está relacionado ao fato de a medula estar fixada na sua porção inferior, levando a uma tração de todo o tronco cerebral, com herniação das estruturas da fossa posterior. Com o crescimento do feto, pode ocorrer a hidrocefalia, que leva a uma alteração cognitiva importante.
O senhor tem informação sobre estatísticas nacionais ou mundiais?
Segundo estudos, estima-se que os defeitos do tubo neural estejam presentes em até 1/700 nascidos vivos. A mielomeningocele está em 1/1.000 nascimentos. Mas a incidência é bastante heterogênea, sendo bastante reduzida nos países em que a interrupção da gravidez é permitida, como nos Estados Unidos. Lá, a estatística cai para 1/3.000 nascidos vivos, excluídas as interrupções da gravidez. No Brasil, são cerca de 3 mil casos ao ano; 600 somente no Estado de São Paulo. Ou seja, é uma situação que impacta de forma muito grande a saúde pública. Destes 3 mil, 15% a 30% morrem nos primeiros 5 anos de vida. A ventriculomegalia ocorre em 80% a 90% dos casos, levando à dependência de shunts e suas complicações, como infecções, entupimentos etc, além de distúrbios neurocognitivos.
Enquanto a cirurgia não está amplamente difundida no país, como o obstetra deve orientar a sua paciente?
Devemos primeiramente atuar preventivamente, por meio da orientação sobre a importância da suplementação de ácido fólico periconcepcional. Já temos leis municipal, estadual e federal que obrigam a fortificação das farinhas. Mas isso não é suficiente. A suplementação também deve acontecer através de pílulas, com 400 microgramas no período periconcepcional. Estas medidas reduzem em 72% a incidência de defeito do tubo neural.
Que outras medidas deveriam ser adotadas?
A maioria das gestações hoje em dia não são planejadas, portanto, acontecem sem que a mulher esteja recebendo a suplementação adequada de ácido fólico. Além disso, esta mulher provavelmente utilizou durante muito tempo anticoncepcionais, que reduzem a absorção do ácido fólico intestinal e prejudicam o transporte e a captação do ácido fólico pelas células. Assim, uma estratégia interessante seria associar ácido fólico aos anticoncepcionais orais, pois quando a mulher interrompesse a anticoncepção, os níveis intracelulares do ácido fólico estariam preservados.
Qual a época adequada para o diagnóstico e a cirurgia para correção do problema?
O diagnóstico é possível e deve acontecer no segundo trimestre, durante a ultrassonografia morfológica, na qual já podem ser observadas características na forma do crânio (chamado sinal do limão), e o cerebelo invertido (forma da banana), decorrente da tração do tronco cerebral. Também neste exame é possível visualizar a presença de defeito na coluna torácica, lombar ou sacral. Confirmado o diagnóstico e as condições para a cirurgia, ela é realizada entre a 19ª e a 26ª semana.
De que consiste o procedimento?
A cirurgia fetal a céu aberto é realizada por meio da exteriorização do útero. São feitas a laparotomia, histerotomia, o feto é exposto e entra em ação o neurocirurgião, que aborda a mielomeningocele. É feita, então, uma histerorrafia e a gravidez prossegue, por mais cerca de dois meses.
Quando e em que condições acontece o parto?
A antecipação do parto, por volta da 37ª semana, é realizada por cesárea para não haver traumatismo da meningocele.
Como o advento de mais esta possibilidade para o feto portador de mielomeningocele, qual o papel do obstetra?
Está cada vez mais evidente que, do período periconcepcional até a reabilitação, o obstetra cada vez mais possui meios de intervir positivamente para minimizar a incidência da mielomeningocele e o impacto adverso na saúde destas crianças. É uma possibilidade muito concreta de melhorar a qualidade de vida desta criança.
Além da ultrassonografia, que outros exames podem ser necessários?
Na ultrassonografia, é possível verificar a presença na mielomeningocele por meio da ausência do processo posterior, medir a extensão do defeito da coluna e também examinar a ventriculomegalia, a dilatação do terceiro ventrículo. Já a tomografia ultrassonográfica tridimensional permite ver diferentes partes da hidrocefalia e avaliar a fossa posterior, avaliando a herniação das estruturas do tronco cerebral e da fossa posterior através do forame magno. Também é visível neste exame o grau de herniação que tem estas estruturas. A tomografia deve ser sempre associada à ressonância magnética, para confrontar os dados e confirmar a presença da herniação do cerebelo.
Mesmo com tantas vantagens, a cirurgia a céu aberto ainda é polêmica. Quais os prós e os contras?
A favor da realização da correção da mielomeningocele no feto, a céu aberto, estão a redução dos riscos da mielomeningocele, pois elimina-se a exposição do líquido amniótico, assim como o traumatismo provocado pelos movimentos fetais. Também pela soltura da medula, a tração do tronco cerebral deixa de existir, melhorando a força muscular. Por fim, há a possibilidade de reversão da herniação do tronco cerebral. O risco materno, inexistente no procedimento pós-parto, passa a existir. Há, ainda, maiores índices de prematuridade, maior risco de ruptura prematura das membranas e oligoâmnio. Em cerca de um terço dos casos foi verificado enfraquecimento da sutura uterina. Não houve, no entanto, nenhum caso de deiscência.
MOMS
Nos Estados Unidos, os Institutos Nacionais de Saúde financiaram um estudo de porte, com um orçamento de US$ 200 milhões, destinado a revelar qual tipo de cirurgia – a céu aberto ou após o nascimento – é mais eficaz para corrigir a mielomeningocele. O projeto Management of Myelomeningocele Study (MOMS) previa avaliar os resultados apresentados por cem fetos que passariam pela correção da coluna no útero e cem crianças operadas após o parto.
Três centros foram credenciados a fazer o trial. Contrariando o que havia sido planejado, em março de 2011 foram publicados os resultados de um estudo interrompido diante da evidência e da eficácia da cirurgia pré-natal.
A seguir, alguns dos principais achados no estudo:
CÉU ABERTO
PÓS PARTO
Derivação ventrículo peritonial
Necessária em 40% dos operados
Necessária em 82% dos operados
Desenvolvimento mental e motor (avaliado aos 12 e aos 30 meses)
42% andando
21% andando
Ausência de herniação do romboencéfalo
36%
4%
Ruptura prematura das membranas
46%
8%
Oligoâmnio
21%
4%
Parto pré-termo
75%
15%
Idade gestacional ao nascimento
34,1
37,3

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