sábado, 21 de abril de 2012

Pessoas que ficaram deficientes já adultas contam como venceram as dificuldades físicas e emocionais e retomaram suas vidas



Simone Cristina Cardoso Negreiros, de 43 anos, tinha 22 quando ficou paraplégica em decorrência de um tiro. Também com essa idade, Rogério Régis Bittencourt dos Santos, de 33 anos, perdeu a visão devido a complicações da diabete. A mesma doença causou, há um ano, a amputação da perna esquerda de Antônio Gomes Nogueira Neto, de 63 anos. Há cinco anos, José dos Santos, de 56 anos, foi atropelado por um ônibus e perdeu a perna esquerda. Para todos eles, a primeira sensação foi de “morte”, de “perder o chão”, como descrevem. Mas, com apoio de parentes, amigos e profissionais de saúde, eles conseguiram vencer os obstáculos, físicos e emocionais, em um difícil, porém, possível, recomeço.

De acordo com o censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em torno de 15% dos moradores de Campinas (147 mil pessoas) convivem com alguma deficiência. O dado não especifica o percentual de casos congênitos e adquiridos. Em São Paulo, a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência estima que são 5 milhões de pessoas. Milhões de brasileiros adquirem alguma deficiência ao longo da vida, seja em decorrência de alguma patologia ou de acidentes variados. E reaprender a viver com a nova realidade não é tarefa simples.

“O primeiro passo é vivenciar o luto”, diz a neurologista e coordenadora do Programa Municipal de Reabilitação, Maria Luiza Brollo. “A partir daí, a pessoa tem que perceber os dois caminhos que tem à frente: da recuperação, quando possível, ou da adaptação com a função perdida”, explica.

Simone levou um tiro do ex-marido, que não aceitou a separação, e conta que foram três dias para decidir que queria continuar vivendo. “Foi como se o chão se abrisse e eu caísse num buraco sem fim. Durante três dias, me perguntei: fico na cama me remoendo ou ergo a cabeça e sigo em frente? E resolvi pela segunda opção.”

Foram 51 dias internada no Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde aprendeu a usar a cadeira de rodas. “No hospital foi fácil, você tem todo apoio. Quando sai para o mundo é que a coisa pega”, diz, citando que a principal dificuldade que enfrenta até hoje são as barreiras arquitetônicas. “Mas, hoje, convivo com a cadeira com toda naturalidade, cuido da casa, cozinho, faço compras, tenho uma vida bem ativa”, diz.

Logo depois de sair do hospital, Simone começou a jogar handebol, na própria Unicamp. “Recuperei a autoestima, me casei, aprendi a lidar com computador, arrumei um emprego, comecei uma faculdade (está no 2º ano de relações públicas), jogo tênis. Estou feliz. Dei um giro de 360 graus na minha vida”, afirma. “Quando você põe na cabeça que consegue, as pessoas param de te olhar com dó.”

Mudança de foco
Para Rogério Bittencourt também não foi fácil. Ele era fotógrafo e, ao perder a visão, teve que repensar e recomeçar também a vida profissional. “Foi uma mudança radical. Mas sou teimoso. Passei uma noite inteira disparando a máquina, depois nunca mais a usei”, conta.

Aprender a usar o computador como instrumento de apoio foi só o primeiro desafio. Para prestar vestibular para a faculdade de letras, em Bragança Paulista, teve que entrar com ação judicial porque o estabelecimento não estava preparado para receber deficientes. “Consegui passar, mas tive que abandonar o curso porque estava desempregado e não tinha como pagar”, diz.

Ele também precisou brigar judicialmente para assumir o cargo do primeiro concurso que prestou, para a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp). Prestou depois um segundo concurso, para a Prefeitura de Bragança Paulista, e conseguiu o emprego. Sem se acomodar, participou de um terceiro concurso, do Ministério Público (MP), onde trabalha há oito anos.

Nesta maratona, descobriu sua verdadeira vocação e foi fazer Direito. “Depois de tantos processos judiciais que enfrentei, pensei: ‘Quero ser como esses caras e ajudar as pessoas’.” A faculdade foi concluída e Bittencourt agora tenta passar no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para exercer a profissão. A única barreira que não superou foi a leitura em braile. “Consigo ler marcas, cor de roupas, CDs, mas não leio fluentemente. Supro essa carência com um software que lê os livros no computador.”

Fonte: Correio Popular - Campinas

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